segunda-feira, 20 de abril de 2015

Mais uma (boa) resenha sobre o Piketty

Uma das características do debate provocado pela publicação em inglês de O Capital no Século XXI de Thomas Piketty tem sido a qualidade elevada das resenhas e intervenções, favoráveis ou críticas, sobre o livro (ver algumas delas aqui e aqui). A Revista Novos Estudos contribuiu para manter esse padrão ao publicar mais uma ótima resenha, Diagnóstico Capital, escrita pelo economista Fernando Rugitsky (USP). O economista destaca as teses defendidas pelo livro e os esforço de Piketty em realizar um "diagnóstico de época" a partir dos dados de acumulação privada do capital - revertendo com isso certo descaso das ciências sociais em relação às questões econômicas. A resenha de Rugistky enfatiza sobretudo a importância de Piketty - sob todos os aspectos um economista mainstream - ao por em evidência a dificuldade da disciplina em lidar adequadamente com um dos problemas econômicos mais urgentes do nosso tempo: a desigualdade de capital entre os cidadãos. 

"[...] A desigualdade [r > g] é a razão principal para a concentração da riqueza e, consequentemente, das rendas do capital. Ela permite que, nas palavras do autor, “a riqueza acumulada no passado seja recapitalizada muito mais rapidamente do que a economia cresce”. Foi a sua operação através do tempo que permitiu que, na Europa da belle époque, o percentil dos mais ricos detivesse metade de todo o patrimônio acumulado. Atualmente, esse percentil ainda detém uma parte menor da riqueza total tanto na Europa como nos Estados Unidos (25% e 35%, respectivamente). Mas, segundo Piketty, isso se deve, essencialmente, à imensa destruição de capital ocorrida na primeira metade do século XX, ao crescimento acelerado observado nas três décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial e a imposição de uma tributação elevada sobre os lucros e a riqueza. A combinação desses fatores permitiu que, por quase um século, a desigualdade se invertesse, isto é, r < g [...] 

O foco nessa desigualdade entre r e g representa uma inversão significativa dos termos do debate usual. Segundo a inclinação tecnocrática da maior parte dos economistas, a questão que foi objeto de investigação principal nas últimas décadas foi o impacto da distribuição de renda no crescimento econômico. Dessa maneira, não se considerava a desigualdade um problema em si, mas buscava-se analisar se ela contribuía ou não para a obtenção de uma elevada taxa de crescimento do produto, o fetiche dos economistas. Esse foco, na realidade, remonta a um a um deslocamento da teoria econômica iniciado por John Maynard Keynes. Os economistas políticos clássicos e seu principal crítico centravam sua investigação nos determinantes da distribuição da renda entre os proprietários de terra, os capitalistas e os trabalhadores. Era esse, na expressão de David Ricardo, o “problema principal” da economia política [...] O livro de Piketty é um esforço inequívoco para retornar àquela tradição do século XIX, e a “contradição central”, explicitando o impacto do crescimento na distribuição (ao invés do impacto desta naquele), deixa isso claro


- Rugitsky: "Diagóstico Capital: mais uma resenha sobre o livro de Thomas Piketty"